Mais do que conhecimento profissional, mulheres descobrem seu valor na sociedade
Há um mês, o Campus Ilha Solteira do IFSP recebe uma turma diferente de alunos para os cursos de Economia Solidária. Além da grande assiduidade, os estudantes trazem junto aos cadernos uma sede por aprendizado e por emancipação.
Das 60 vagas oferecidas pelos cursos de Agente de Desenvolvimento Cooperativista Solidário e Gestão de Empreendimentos Econômicos Solidários, 52 são ocupadas por mulheres, o que já começa a revelar o perfil da demanda, analisa o coordenador-adjunto do programa e docente do Campus Ilha Solteira, Marcos da Cruz Alves Siqueira: “a composição das turmas revela um dado expressivo: a centralidade das mulheres nas iniciativas da economia solidária. Entre elas, há mulheres de assentamentos da reforma agrária, feirantes, artesãs, ribeirinhas, profissionais independentes, além de estudantes trans, o que evidencia a diversidade e a potência transformadora que esses cursos têm alcançado.”
Marcos define a ação como “uma transformação silenciosa, mas profundamente impactante”. A afirmação é tão verdadeira que as mulheres que participaram do curso de agente no ano passado voltaram para o curso de gestão; enquanto isso, as que já passaram pelo curso de gestão aguardam nova oportunidade de formação em Economia Solidária no IFSP.
Se a possibilidade de formação qualificada, sobretudo para elas, é limitada na região, como aponta o docente, as estudantes não medem esforços para agarrarem essa oportunidade, que, por sua vez, enxerga essas mulheres em sua completude. Ali pertinho da sala onde estudam, elas deixam seus filhos e netos sob cuidados de servidores ou ex-alunos do Campus Ilha Solteira, que entretém a criançada enquanto suas mães e avós dão o exemplo do estudo. Elas, por sua vez, comemoram esse cuidado ao revelarem que essa é a única forma de estarem presentes nos bancos da escola.
Hoje, quem cuida das crianças é a ex-aluna do programa Rosângela Cristina Damico, que presenciou aprendizado e empoderamento durante as aulas em 2024: “os cursos proporcionaram mais do que conhecimento profissional, permitiram às mulheres compreenderem o valor do seu trabalho e sua importância na sociedade” (leia mais aqui).
“Como coordenador desses cursos, é gratificante observar o amadurecimento coletivo que tem acontecido ao longo da formação. Os resultados são concretos e vão muito além das salas de aula: tivemos estudantes que aprovaram projetos em leis de incentivo à cultura e à agricultura familiar; outros, ingressaram com pedidos de registro de marca junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), fortalecendo juridicamente seus empreendimentos. Também temos casos inspiradores de mulheres que, a partir da formação, conseguiram formalizar e estruturar seus próprios negócios”, relata Marcos da Cruz.
Para ele, outro ponto marcante é o impacto das aulas de informática e comunicação: “muitos alunos que antes dependiam de terceiros para produzir materiais gráficos e divulgar seus produtos no ambiente digital, agora dominam ferramentas de edição, design e redes sociais, ganhando autonomia para promover seus trabalhos de forma profissional e assertiva”.
O docente destaca que o êxito não seria possível sem o comprometimento dos docentes que integram o projeto: profissionais com forte atuação em movimentos sociais, cooperativas, instituições públicas e setores culturais têm enriquecido a experiência pedagógica com vivências práticas, aproximando teoria e realidade.
Esses cursos, conclui Marcos, “mostram como a educação pública e gratuita pode ser um instrumento real de transformação, especialmente em regiões onde a oferta de formação técnica e política para populações marginalizadas é escassa. Ilha Solteira se torna, assim, um território de resistência e inovação, por meio de uma economia que coloca a solidariedade, a coletividade e a justiça social como princípios estruturantes”.